segunda-feira, junho 23, 2003
"Tenho vergonha pelo senhor Achille. Somos da mesma espécie, devíamos formar bloco contra eles. Mas o senhor Achille deixou-me, passou-se para o outro lado: acredita honestamente na experiência. Não na dele, nem na minha: na do doutor Rogé. Há bocado sentia-se esquisito, tinha a impressão de estar muito só; agora sabe que há outros no seu género, muitos outros: o doutor Rogé encontrou-os, poderia contar-lhe a história de cada um deles, e dizer-lhe como é que ela acabava. O senhor Achille é um caso simplesmente, e que se deixa com facilidade reduzir a algumas noções comuns.
Como gostava de lhe dizer que o estão a enganar, que ele se deixa ir no jogo dos importantes. Profissionais da experiência? Pessoas que levaram a vida num torpor, meio a dormir; que se casaram precipitadamente, por impaciência, e fizeram filhos por acaso. Encontraram os outros homens nos cafés, nos casamentos, nos enterros. De vez em quando, apanhadas por um remoinho, debateram-se sem compreender o que lhes sucedia. Tudo quanto se passou à roda delas começou e acabou fora da sua vista; longas formas escuras, acontecimentos que vinham de longe, roçaram por elas rapidamente e, quando elas quiseram olhar, já tudo acabara. E depois, pelos quarenta anos, baptizam a sua obstinaçõezinhas e alguns provérbios com o nome de experiência, começam a fazer de distribuidores automáticos: dois vinténs na ranhura da esquerda, e saem anedotas embrulhadas em papel de prata; dois vinténs na ranhura da direita, e recebem-se preciosos conselhos, que se pegam aos dentes como pasta de caramelo.[...]"
in A Náusea, Jean-Paul Sartre
salamandrine 10:48
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